MUITEZA
(s.f.) - por Dom Lito
1. muito com tesão
2. qualidade do que é muito
MUITEZA
(s.f.) - por Dom Lito
1. muito com tesão
2. qualidade do que é muito
MUITEZA
(s.f.) - por Dom Lito
1. muito com tesão
2. qualidade do que é muito
tramas, tranças e transmissoes
1973
1990
afrokaliptico
1996
1930
1880
Em um verão de 2013 meu avô me contou nossa
história. Naquela tarde ensolarada, pelo batente
da janela de madeira gravei sua narração.
Neste dia soube da existência de Bazila,
ou Brasília. Minha trisavó, nascida por
volta de 1880. Não sei muito além
deste nome, e pela ausência de
respostas, me permito imaginar.
Bazila pra mim é uma mulher
que veio da Costa da Mina, filha de Osun,
era abundância e sabedoria em forma de gente, e tinha o rosto marcado por escarificações, cabelos crespos e brancos. De seu ventre africano, nasceu Isidória, minha bisavó, aquela que meu avô Antônio tanto dizia se parecer com sua filha, minha mãe.
Das dores sentidas, feridas abertas e cicatrizes, trago lembranças, marcas e tatuagens no espírito. Em cada enfermidade e pranto, um cântico floresce no breu, as vozes em coro de minhas ancestrais, acendem as luzes no fim da esperança, seu axé me aquece, suas ervas me curam, sua fé me protege. Diante do abismo, é preciso atentar-se para as estratégias de adiar o fim do mundo e provocar o mundo em desencanto, por uma prática e olhar encantado que adia a vinda de Ikú (morte) e afasta os maus olhados e o desejo de morte dos poderosos vampiros que governam o mundo dos brancos. O mundo do capital, desencantado e triste, em que o dinheiro é a lei e o espírito adoecido busca um reencontro, nos ventos e encantarias de um tempo ancestral, espiralar e vivo.
1960
1998
2019
2020
Meu velho menino descansa hoje nos braços de sua mãe, sendo acarinhado por seu pai, olhado e protegido por legiões e gerações de ancestrais de diversos cantos, encantos e origens. No sopro da voz, a magia se faz e a cura se dá pelo som. Consigo escutar com o coração cada palavra em um idioma desconhecido por minha razão. Talvez essa seja a tão chamada religião, a morte, ou passagem da vida. É por ela que tudo se liga, cada corpo, matéria, ser vivo, morre um dia. A morte é a única democracia justa e igualitária.
Meu menino de idade, das matas de Santo Amaro, descansa seu corpo debaixo da terra hoje, volta pro útero do mundo, pra virar matéria. Já cumpriu sua missão, tocou pessoas como poucos conseguem, afetou gerações e cresceu comunidades. Tenho orgulho de dizer que sou seu descendente, e você, ancestral iluminado pelo sol baiano, sagrado! Com seu sorriso meigo com tom de infância, permanece fotografado em minha memória.
As cores vivas da sala, as plantas, as frestas de luz pela janela de madeira, a brisa do vento e a sua risada, cada elemento capturado no peito, acende um desejo de lembrar. Cada história partilhada foi lendária, necessária, fundamento para edificar minha casa. Me sustento em seus feitos, e sonho com dias melhores, com curas maiores, com uma vacina contra a morte.
Amo de modo que desconheço, sinto teu toque em abraço e os dizeres “meu neto vai ser doutor” e eu profetizo que vou! E cada dia, cada sonho, cada luta, vai compensar no fim da labuta quando eu olhar o retrato do senhor e sentir o afeto que transpassa o papel fotográfico, sentir seu afago e saber que até ali, você me acompanhou.
Que Deus te abençoe, e peço agô!
Bença, vô!
2022
2022
Além mar, foto e vídeo cartas, queridos ancestrais.